Neste Blogger, pretendo dar a conhecer alguns aspectos do folclore de Baixo-Minho centrando-me no concelho de Vila Verde-Braga. Fundamentando-me na revista comemorativa dos 25 anos do Grupo Folclórico de Vila Verde, onde estão os texto que aqui vou apresentar.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O linho


Imagem de: Manuel Jorge Reimão Torres Inácio

  • Da semente à espadelada

   A cultura do linho desapareceu no quotidiano deste nosso povo. Hoje restam pequenos vestígios vestígios que procuremos referir neste artigo.
   Raro era o lavrador que não reservava para o linhar um pedaço das suas terras, geralmente as mais bem expostas, mais bem regadas e de bom solo. Não costumava semear mais do que o necessário ao bragal caseiro ou ainda o pagamento da renda em linho, muito usada no arrendamento das terras. Necessitando o linho um clima doce e húmido, onde pudesse vegetar sem interrupção, todo o agricultor procurava o terreno com tais características. O linho era semeado de 15 de Abril a 15 de Maio. Havia quem tirasse duas colheitas seguidas, de linho galego, na mesma terra colhendo a primeira pelo S.João e lançado nova semente à terra, que vinha a dar em Setembro, um chamado linho serôdio de pouca linhaça, mas bom e fino.
   O lavrador preparava o linhar como um alfobre ( canteiro utilizado para cultivar plantas de horta para posteriormente plantar ), lavrando cuidadosamente com engaços de madeira, e por vezes de ferro, para o desterroar.
   A linhaça era semeada à mão. A sementeira fazia-se cruzada e de manhã ou ao cair da tarde quando não vento. O agricultor nunca iniciava a sua sementeira de responsabilidade sem se concentrar primeiro, recolhendo-se e benzendo-se, com a cabeça descoberta, em pleno campo. Semeado, o campo era enleirado para mais tarde ser regado. Os regos abriam-se largos e paralelos a toda a largura do terreno, ou no sentido da melhor orientação da rega , a uns três metros de distância uns dos outros. Terminados estes trabalhos iam procurar um ramo que espetavam no meio do linhar, esse ramo era de trovisco ou cardo, que serviria para afugentar ou picar as bruxas. 
Ramo de trovisco

   
Três a oito dias após ter sido semeado, começa a agrilar e se apresentasse um relvado muito unido era sinal que havia uma boa sementeira. Posteriormente o linho era regado, essa rega era feita pela hora de menos calor, pois o excesso de calor durante a rega queima. Segundo o ditado popular o linho deveria levar nove águas.
   Quando o linho atingia uma certa altura, 5a 7 centímetros, era mondado das ervas daninhas; quando atingia a época da floração, isto é, ao fim de trinta dias aproximadamente. A monda era feita geralmente por mulheres e crianças descalças, caminhado em direcção contrária ao vento para este endireitar as plantas as plantas tombadas pelas mondadeiras. 
   A colheita do linho era feita, arrancando-o, porque a fibra convinha que tivesse o maior comprimento possível e esta prolongava-se até à raiz. A apanha do linho era um dos mais belos e curiosos espectáculos. O linho arrancado é posto em meadas ou enroleirado, mais geralmente levado em braçados para uma eira de ad-hoc que se fazia no próprio campo onde se praticava a primeira operação. No próprio campo se espetava um ripo (ripanço, ripa, ripadouro, ripador), para junto do qual se encaminhava os feixes do linho para uma eira e aí se fazia a operação de ripagem. Havia vários tipos de ripanços. Uns eram simples e outros dobrados que permitiam trabalhar um homem de cada lado ou dois homens. Este trabalho era violento e era feito sempre por homens. Terminada a ripagem ficava dum lado a baganha e do outro a filassa que era posta em feixes para seguir para o alagadouro. Os feixes ou molhos do alagadouro variavam de terra para terra. Geralmente, eram pequenos e já colocados em cruz uns sobre os outros como haviam de ficar depois na água de um ribeiro ou de um tanque. A baganha que foi separada na ripagem, é apanhada e deitada ao sol, umas vezes imediatamente, outras depois de guardada a um canto à  sombra (uns quatro dias se usava no alto Minho). Passava-se depois um crivo de arame e a seguir num de pele de buracos pequeninos por onde era peneirada a linhaça.  

Arrancar



                        
Ripar



....já colocados em cruz ...


...na água de um ribeiro ou de um tanque. 



   O linho ao contrário do algodão e de outras plantas têxteis, tem uma fibra revestida de uma substância pomo-resinosa daí a necessidade da maceração somo indústria caseira. Ia pois do eirado, após a ripagem, em camadas ou feixes à cabeça para o rio ou para as poças. Consoante a temperatura da água e se era ou não de corrente, assim demorava mais ou menos dias, podendo dizer-se que na água corrente e segundo as localidades e usos demorava entre quatro a onze dias. Quando era tirado o linho da água chamava-se geralmente um prático que vinha ver se estava "tira-douro". Retirado da água da água era posto a secar de modo a a que o ar circulasse por todos os lados. Geralmente era colocado me partes altas das propriedades. Costumava-se enxugar num paço num espaço de tempo correspondente àquele que esteve empoçado. Depois era colocado o linho na eira disposto em camadas semelhantes a escamas de peixe, no princípio e no fim das quais se colocava um par de vigas bastante pesadas ficando assim firme nos seus extremos. A operação seguinte consistia em colocar o linho estendido sobre uma vasta pedra onde era batido como maços de madeira empunhados por homens, que se colocavam à roda da referida pedra. Era curioso, árduo, difícil e operoso o trabalho de maceração; quando em muita quantidade era malhado.
   Era batido o linho e de vez em quando esfregado para separação da caruma ou casca já quebrada pelo instrumento. Os maços costumavam ser de madeira pesada, buxo ou de oliveira, cilíndricos como um rolo de cozinha. Em algumas terras empregava-se o engenho. eram todos mais ou menos rudimentares, variando ligeiramente e constituidos por um tambor um tambor de 20 a 22 cilindros estriados e de duas alavancas suspensas por cordas e pesadas pedras. O engenho trabalhava a água geralmente servindo-se de qualquer lagar de azeite ou moinho em cujo alpendre era toscamente montado. Do engenho saía a filassa, em mantas (cada manta regulava três pares). A própria palavra o indica, saía cada porção moída numa espécie de manta que depois é caseada em estrigas.

Maço


Engenho 




quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Linho


Imagem de: Manuel Jorge Reimão Torres Inácio

  • Da espadelada ao tear
   A espadelada era a operação mais típica, consistia em eliminar as arestas que ainda ficaram aderentes às fibras finas que produzem o linho, as grossas que dão as linhagens e às quais se chama tomentos. Este trabalho era sempre feiro por mulheres batendo com a espadela na borda do espadeladouro. Havia vários tipos de espadaladouros e espadelas, variando de freguesia para freguesia. A espadelada fazia-se na eira. Com a mão esquerda ia a espadeladora tirando manadas de estrigão que tinha desse mesmolado e que pousa na borda na borda do espadeladouro.
   A espadelada era um dos mais alegres e espectáculos sociais do concelho (Vila Verde) e do Minho. Como nas desfolhadas aqui apareciam os mascarados (homens vestidos de mulheres ou de almas do outro mundo), fronhad de renda na cabeça a fazer de caraça ou máscaras e tantas outras coisas, que a ingenuidade artística inventa e descobre. As tocatas de ferrinhas, reque-reques, cavaquinhos, flauta, etc. A refeição era servida de "rodada", num açafate constando geralmente de sardinhas fritas, pão e vinho.
   A estriga é passada duas vezes; a primeira "corrida" chama-se debouça a segunda de colher ou de "alimpa".
   A assedagem era o novo trabalho da vida do linho. Consistia em serem passadas as fibras, porque da espadelada ainda não sairam perfeitamente limpos da estopa, lisas, direitas e sem arestas - no sedeiro que são uns rudimentares pentes variados uns com dentes mais afastados, outros com uns dentes mais próximos, que servem para as estrigas serem cuidadosamente penteadas. Depois, surgia a fiação utilizando-se a roca e o fuso. Nos tempos mais antigos juntava-se a família à lareira, nas longas noites de inverno fiavam, enquanto conversavam, contavam histórias e rezavam. Também de dia, nos trabalhos do campo, quando guardavam o gado as raparigas  velhas fiavam pelos caminhos, pelas bouças, pelos outeiros. As rocas eos fusos variavam muito - embora ligeiramente e sobe o ponto de vista etnográfico e o folclórico interessem as variantes. Para se fazer as meadas utilizava-se um instrumento caseiro bem conhecido - o sarilho. Há-os também variados. Consiste num eixo  sobre que se aimplantam quatro braços em cruz, terminados por uma pequeninas forquilhas. Na extremidade do eixo há um torno que imprime rotação ao sarilho. A maçaroca é colocada num fuso que fica por baixo do sarilho.
   Com sucessivas barrelas e coras sobre a erva, ligeiramente humedecida era o linho corado e branqueado, perdendo a caracterástica cor amarelada. A barrela era feita com água e cinza. Alguns faziam a barrelaa de boa cinza peneirada e ás vezes juntava-lhe "bostas" (excremento de gado) o que não causa admiração, pois era com essa argamassa que em muitas freguesias se vedava a cosedura do pão de milho, a porta do forno.
   A dobadoura era um instrumente semelhante ao sarilho. mas dando a operação inversa, pois agora as meadas vão formar os novelos que são depois levados à urdideira. O trabalho da urdideira era um trabalho da alta complicação em que os fios eram distribuídos em oitos, por bocadinhos de canas espetadas numa parede e formando tornos onde se enlaçavam os fios. Da urdideira passavam para o tear. O tear caseiro minhoto é ainda o mais primitivo possível todo o trabalho manual. É rara a casa antiga que não possuía ainda um tear. Ainda há poucos anos (referindo-se aos anos anteriores a 1983) que tecedeiras iam pelas casas tecendo o bragal do linho caseiro, especialmente panos para lençóis e toalhas. De salientar, que nada havia que igualasse a toalha de rosto, o tecido de linho caseiro minhoto. Geralmente o tear caseiro tecia na largura máxima de 65 a 70 cm, podendo é evidente, construir-se para mais largura. Saído do tear, o linho em peça era novamente corado, depois de uma barrela, também com água a ferver, cinza peneirada e excremento de gado.

"ARRANCADA DO LINHO" - S. PEDRO RATES - POVOA VARZIM

Filme que vale a pena ver, onde está representado todo o trabalho do linho inclusive os cantares.
Está tudo o que eu escrevi mas em vídeo.




Espadelada à moda de Aboim da Nóbrega - Parte I e II








Programa Terra sobre o Linho Porto Canal






quarta-feira, 2 de abril de 2014

Costumes Ligados ao Linho

   A cultura do linho foi uma indústria caseira que esteve sempre ligada à gente portuguesa. Todas as famílias possuíam bragais que acumulavam há gerações nas suas arcas tradicionais caseiras. alguns costumes estiveram ligados à cultura do linho, que pela sua graça, vamos referir. Um deles era o "Talhar das camisas" e  o outro a oferta da camisa de linho. O talhar da camisa consistia no seguinte: após a arrancada do linho geralmente feita pelos meses de Junho e Julho, e que era um trabalho feito com muito entusiasmo e alegria, um par de jovens abraçava-se e rolava por cima do linho que se encontrava estendido no campo em molhadas. O outro, consistia, em a noiva em troca do ramo de casamento oferecido pelo noivo, dar uma camisa se linho, ordinariamente tecida por ela própria com lavores bordados por sua mão. As que não sabiam bordar encomendavam então este serviço a alguma das suas amigas ou costureiras de nome, por vezes, com mágoa, por não poderem tecer com a própria mão este linho que foi talvez, numa das noites ou na espadelada nas eiras, o principio do seu romance amoroso: 

Talvez um dia este linho
Tecido no teu tear
Seja camisa de noivo
Com que hajas de me dotar.

   O linho esteve também ligado ao religioso e ao cancioneiro Minhoto. Todas as roupas brancas do altar  e da igreja eram obrigatoriamente de tecido linho. Havia romarias onde era costume levar o linho em estrigas. De referir, que a romaria de Santa Marta das Cortiças, em Braga, era uma das mais importantes. Vendia-se a leilão a enorme quantidade de linho que a santa recebia de esmolas e promessas.
   O cancioneiro minhoto tem muitas quadras referentes ao linho. Entre elas, salientamos aqui algumas, que se cantavam nas compridas noites de Inverno, junto à lareira, quando de fiava, ou nas espadeladas ou ao matraquear dos teares como que animar ou suavizar o próprio trabalho.

Nossa Senhora tem linho
Quem tem linho tem linhaça
Os anjos do céu me levem
Na sua divina graça.

Este linho é mourisco
A fita dele namora,
Quem aqui não tem amores 
Tire o chapéu vá-se embora.

Meninas da outra banda
Já não sabem fiar linho
Andam de caixa em caixa
A ver se a malga tem vinho.

Casai-me, meu pai, casai-me
Que eu já sei fiar na roca:
Cada dia fio um fio
Cada ano uma maçoroca.

Minha roquinha de cana
Tinha Linho assedado
Para fazer umas calças
Ao meu amor que é soldado.

Quem me dera ser o linho 
Que vós na roca fiais, 
Quem me dera tantos beijos
Como vós no linho dais.



   Também ligado à cultura do linho o nosso povo conta algumas adivinhas as quais procuramos referir algumas:

1. Semeei cavaquinhas, nasceram-me bengalinhas, nas pontas das bengalinhas tornaram a nascer cavaquinhas. 

2. Brinco, brinco, brinco, brinco, brinco tanto que me aborrece, quanto mais eu brinco brinco, mais a barriga me cresce.

3. No mato nasce, no mato se cria, e vem para casa dar ais de alegria. 

   Solução de adivinhas: 1. O linho; 2. O fuso; 3. A dobadoira. 




Considerações finais:
   
   A produção do linho, já de si pequena, foi praticamente aniquilada com a concorrência dos panos de algodão, cuja produção, entretanto se mecanizou.
   Uma das razões desta decadência da indústria tradicional do linho, tem a ver com o facto de a fiação do linho se manter nos moldes antigos, exclusivamente como operação manual. Daí, resulta que o fio era de espessura muito desigual, e os panos com ele tecido de fraca qualidade não podendo suportar o conforto como os tecidos de algodão, cujo fabrico se baseava na fiação mecânica de tipo industrial.
   Segundo um estudo elaborado pela Direcção Regional de Entre o Douro e Minho do M.A.P., refere que já há muito tempo não existe campanha do linho em Portugal. Uma das razões apontadas é o baixíssimo preço pago ao agricultor pelo produto, o que tem vindo a desencorajar a cultura do linho. A indústria que utiliza, compra pois o linho no estrangeiro.
   O custo de produção do linho nacional é elevado; uma das razões que fazem com que seja assim é a falta de mecanização do arranque continua, em geral, a ser praticado à mão. Com efeito, a mecanização do arranque do linho necessita de dimensões úteis de terreno relativamente grandes, o que o contrário à divisão da terra em minifúndios (pequenas propriedades) como actualmente.


José Amaro M. Arantes